NELITO FERNANDES
A vida de policial no Brasil não é fácil. E raramente dá motivos para se orgulhar. Os salários são baixos, o treinamento é falho, as armas e os equipamentos são insuficientes para enfrentar o crime. Isso, todos sabem. Mas, até agora, pouca gente havia se preocupado em saber o seguinte: O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil.
Esse é o nome de uma pesquisa inédita feita com 64 mil policiais em todo o país pelo Ministério da Justiça em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Com 115 páginas, o estudo, cuja íntegra foi obtida em primeira mão por ÉPOCA, mostra, em números, não só quanto o policial brasileiro é despreparado, mas também como ele é humilhado por seus superiores, torturado nas corporações e discriminado na sociedade. O levantamento revela quem são e o que pensam os policiais – e quais suas sugestões para melhorar a segurança no país.
Se o diagnóstico feito pelos próprios agentes é confiável, a situação que eles vivem é desalentadora: um em cada três policiais afirma que não entraria para a polícia caso pudesse voltar no tempo. Para muitos deles, a vida de policial traz mais lembranças ruins do que histórias de glória e heroísmo.
A vida de policial no Brasil não é fácil. E raramente dá motivos para se orgulhar. Os salários são baixos, o treinamento é falho, as armas e os equipamentos são insuficientes para enfrentar o crime. Isso, todos sabem. Mas, até agora, pouca gente havia se preocupado em saber o seguinte: O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil.
Esse é o nome de uma pesquisa inédita feita com 64 mil policiais em todo o país pelo Ministério da Justiça em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Com 115 páginas, o estudo, cuja íntegra foi obtida em primeira mão por ÉPOCA, mostra, em números, não só quanto o policial brasileiro é despreparado, mas também como ele é humilhado por seus superiores, torturado nas corporações e discriminado na sociedade. O levantamento revela quem são e o que pensam os policiais – e quais suas sugestões para melhorar a segurança no país.
Se o diagnóstico feito pelos próprios agentes é confiável, a situação que eles vivem é desalentadora: um em cada três policiais afirma que não entraria para a polícia caso pudesse voltar no tempo. Para muitos deles, a vida de policial traz mais lembranças ruins do que histórias de glória e heroísmo.
O PM aposentado Wanderley Ribeiro, de 60 anos, hoje presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro, faz parte de um dado sombrio das estatísticas que a pesquisa revela. Como ele, 20% dos agentes de segurança afirmam ter sido torturados durante o treinamento. Trata-se de um índice altíssimo – um em cada cinco. Segundo Ribeiro, em seu curso de formação ele foi levado a uma sala escura com outros recrutas. Os oficiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo e trancaram a porta.
Do lado de dentro, os recrutas gritavam desesperados implorando para sair. Muitos desmaiaram. “Quando eles abriram a porta, nós já saímos levando socos e chutes e sendo xingados”, afirma Ribeiro. “Tive de fazer tratamento médico porque fiquei com problemas respiratórios.” E qual é a razão desse tipo de “treinamento”? “Eles tratam o policial como um animal, dizem que o PM tem de ser um animal adestrado. Depois, soltam esse animal em cima da sociedade”, diz.
Além da tortura, os policiais são vítimas de assédio moral e humilhações. Em Manaus, um oficial que prefere não se identificar conta que foi impedido de sair do serviço no Dia das Mães. “Eu estava saindo e me perguntaram se eu tinha servido água no jarro do instrutor. Eu tinha esquecido”, diz. “Eles me fizeram passar o dia enchendo um bebedouro de 300 litros com uma tigela onde só cabiam 300 mililitros”, afirma o PM, que publicou num blog imagens de alunos fazendo flexões com a cara virada para um meio-fio imundo.
“A pesquisa demonstra que há um sofrimento psicológico muito intenso. Essa experiência de vida acaba deformando esses policiais, que tendem a despejar sobre o público essa violência”, diz o sociólogo Marcos Rolim, professor de direitos humanos do Centro Universitário Metodista e um dos autores do estudo. “Passamos os anos da ditadura encarando os policiais como repressores e defendemos os direitos humanos, mas nos esquecemos dos direitos humanos dos próprios policiais.”
O levantamento mostra também que casos como o da morte do coordenador do AfroReggae Evandro João da Silva não são fatos isolados, como frequentemente os comandantes procuram fazer crer. Evandro levou um tiro de um assaltante e morreu sem socorro. Um capitão e um sargento abordaram os bandidos e, em vez de prendê-los, ficaram com o tênis e a jaqueta de Evandro, roubados por eles.
A corrupção é prática comum na corporação, e os oficiais como o capitão são até mais condescendentes com ela do que os praças. Entre os policiais de alta patente, 41,3% disseram que fingiriam não ter visto um colega recebendo propina. Já entre os praças, o porcentual cai para 21,6%. Chama a atenção o número dos superiores que ainda tentariam se beneficiar da propina: 5,1% dos delegados e 2,8% dos oficiais da PM disseram que pediriam sua parte também, em comparação a 3,7% dos policiais civis e 2,1% dos praças. Paradoxalmente, 78,4% dos policiais consideram “muito importante” combater a corrupção para melhorar a segurança no país.
São números que explicam por que a polícia é tão estigmatizada pela sociedade: 61,1% dos agentes dizem que já foram discriminados por causa de sua profissão. Tanta carga negativa faz com que policiais até escondam sua vida profissional. Tenente da PM do Rio, Melquisedec Nascimento diz que um namoro recente acabou porque os pais da moça não aceitavam que ela ficasse com um policial. “Você só pode dizer que é da polícia depois que a mulher está apaixonada. Se disser antes, ela corre. Todo mundo acha que o policial é um brucutu corrupto. Outro dia eu ia a uma festa e o amigo soletrou para mim o nome da rua: ‘Claude Monet’. Ele achou que só porque eu sou policial não saberia quem foi Monet”, diz ele.
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